sábado, 19 de setembro de 2009

Balaio de quadrinhos _ parte 1

Ontem, enquanto todo mundo partia para o Coquetel Molotov, fiquei lendo quadrinhos e resolvi escrever esse texto.

BALAIO DE QUADRINHOS _ parte 1


Lendo muitos quadrinhos ultimamente. Tive oportunidade de comprar muitas revistas e livros, alguns a preço de banana. Tem sido praticamente uma overdose. Infelizmente, a maior parte de quadrinhos mainstream da Marvel e DC. Digo infelizmente porque mesmo as lojas de quadrinhos do Recife ainda oferecem poucas alternativas a esses universos estéticos.

Uma das coisas que me chama a atenção são algumas atitudes recorrentes no quadrinho americano. Tem a vertente que precisa se afirmar como quadrinho sério e adulto e para isso recorre a elementos como violência, niilismo, pessimismo, humor negro. Isso me parece o equivalente de uma motivação perversa que gera muito lucro para a indústria do tabaco e outras. Se é proibido para crianças, então EU, que sou / quero ser ADULTO, tenho que usar. Digo isso pensando um pouco no aproach de Grant Morrison nos New X-men. Mais sobre isso mais adiante.

Outra vertente é que os roteiristas estão sempre armando crises cósmicas, crises em infinitas terras, eventos que chegam causando esparro e anunciando mudanças catastróficas. Digo isso sobretudo depois de tentar ler e terminar perdendo a paciência com mais uma HQ de Jim Starlin estrelando Thanos (O FIM DO UNIVERSO). Ninguém fazendo histórias sobre comprar pão? Só gente como Harvey Pekar e Robert Crumb. Enche o saco você ver aquele monte de heróis reunidos (os grandes eventos sempre envolvem crossovers, a maior quantidade de heróis possível) e uma história sem nenhuma direção, cheia de clichês dolorosos.

Outra coisa que não tem nada a ver com o universo Marvel ou DC, mas estou lendo Bottomless Belly Button ou melhor, Umbigo Sem Fim, na versão da Cia. Das Letras. Òtimo trabalho que causou a ascensão meteórica de Dash Shaw no campo mais autoral . Ainda não terminei de ler, mas tô gostando muito. O que me incomoda: às vezes fico achando que muita gente só dá valor a uma graphic novel agora se ela for autobiográfica ou parecer autobiográfica e acho isso burice. Acho que isso deixa aflorar um modo meio paparazzi de ver a vida...

Mas vou começar a analisar mais detalhadamente algumas coisas que andei lendo.

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New X-Men (Grant Morrison e vários)

Editora: Panini / Marvel

Eu tinha classificado prematuramente como ruim o trabalho do roteirista britânico com os X-Men, tendo lido muito superficialmente uma ou duas edições. Mas agora que li vários números (especificamente: 9, 10, 17 a 20, 22, 26 a 29), posso esboçar uma reação um pouco mais embasada.

Morrison, como de costume, injetou muitas idéias novas nos X-men. Aposentou os uniformes pelos quais eram conhecidos. Inventou novas ameaças ao invés de repetir eternamente os velhos vilões. Inventou novas nuances para a relação dos mutantes com os humanos “normais” e transformou a Escola para Jovens Superdotados em um Instituto Xavier para Estudos Avançados. Impôs aberturas muito estilosas com páginas duplas.

O sentimento geral dessa fase (pelo menos dos números que eu li) é que se trata de uma versão mais avançada, um pouco mais palatável para adultos, das aventuras que todo mundo espera encontrar numa revista dos X-men. Os conceitos científicos parecem ser um pouco mais complexos, as ameças são mais amedrontadoras, e na fase inicial ela responde pelo nome de Cassandra Nova. Ela marca o primeiro arco, E de Extinção. Algum tempo atrás, tinha lido e achado sem graça. Hoje acho muito bom. Conta com o excelente Frank Quitely nos desenhos. Cassandra Nova é introduzida e rapidamente dada como morta (na terceira e última parte do arco). Mas ela retorna pouco tempo depois (nas edições que eu comprei, 17 a 19) numa saga maior e com muito mais gosto de aventura, que envolve o Império Shiar. Depois do final dessa saga, Morrison nos entrega uma bela história fechada, estrelando o engimático Xorn. É a famosa pausa pra reflexão depois de uma saga super pauleira. Intitulada “Sobre morrer e viver”, essa HQ contemplativa tem a arte de John Paul Leon. Aliás, um dos destaques dos New X-men são alguns desenhistas. O croata Igor Kordey ilustrou a saga seguinte, que lida com um mutante “aditivado” em laboratório que foge ao controle, pondo em risco centenas de vidas. Um thriller instigante, bem construído, tanto pelo roteiro como pelos desenhos. É um desses casos em que o roteiro parece ter planejado de maneira detalhista o visual da história.

Aí eu pulei para o número 26 a 29 da edição brasileira. É um arco que eu considerei chato, embora ainda assim apresente algumas idéias legais. Envolve a violenta rebelião de alguns alunos no Instituto Xavier, potencializada pelo uso de uma droga que aumenta os poderes mutantes de cada um. Rebeldia juvenil é um tema que interessa a Morrison desde sempre, vide Os Invisíveis, Como Matar Seu Namorado. Mas não acho que tenha funcionado muito, mesmo com os desenhos de Quitely. Não gostei do tom sombrio em excesso.

Outro comentário: uma revista de 98 páginas acaba muito rápido quando só se aproveita uma história de 24 páginas e as outras são tão ruins que nem vale a pena ler.

Mais sobre Grant Morrison no final.

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Dr. Estranho: O que está te perturbando, Stephen? (Marc Andreyko / P. Craig Russel)

Editora: Metal Pesado / Marvel

Esse é um quadrinho que traz a marca desse grande estilista que é o P. Craig Russel. Ninguém faz o que ele faz. Ele é de uma geração americana muito interessante dos anos 70, que parecia misturar com naturalidade psicodelismo com influências muito clássicas de desenho, reverberando inclusive influências de quadrinhos europeus. A trama não é nenhum primor, mas a arte magistral deixa a narrativa muito interessante. Poucos ilustradores tem um domínio tão absoluto das formas. Poucos teriam o interesse de retratar com tanto preciosismo cada detalhe arquitetônico, cada peça de vestuário. As formas para Russel parecem ter um interesse por si só, independente do que sejam. Quase como abstrações, e o quadrinho é especialmente rico porque cada uma dessas formas evoca sensações diversas, sugere um clima. O criador do personagem, Steve Ditko, foi homenageado no nome da cidade onde se passa boa parte da trama: Ditkopólis.



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Jeremias, O Bom (Ziraldo)

Editora Santana

Depois de ler um monte de tanto quadrinho de super-herói, é gostos ler as aventuras de um cara comum que se destaca simplesmente pela bondade. E o traço bem estilizado de Ziraldo, então... antídoto ao excesso de realismo nos quadrinhos mainstream. São simples cartuns ou historinhas de uma ou duas páginas. O planejamento gráfico do livro poderia ser bem melhor.

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Pafúncio (George McManus)

editora Martins Fontes

Tiras. Antigas. Soam algumas vezes bem tolas aos nossos olhos contemporâneos. Mas ainda assim, gostoso de ler. Clássico.

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Quarteto Fantástico: 1 2 3 4 (Grant Morrison/ Jae Lee)

editora Panini / Marvel

Encartado na revista Paladinos Marvel (1 a 4), esta mini-série poderia ter sido muito melhor. Ela conta com a arte estilosíssima de Jae Lee, o roteiro de Grant Morrison capricha no clima carregado e melancólico, bem atípico para uma história do Quarteto, para enfocar a cada edição um dos membros da equipe, envoltos numa trama que promete levar o grupo à derrocada final. Mas o escocês não se garantiu na hora de concluir bem a trama. Quando os mistérios são revelados, se fica com a impressão “Porra, é só isso? Que merda”. Mas o saldo é que, descontado o último número, vale a pena ter na coleção.

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